sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um ano, Clarice e a Eternidade

Bom, neste mês de Julho o Escape completa seu primeiro ano de existência. Por este motivo vou hoje postar um texto especial demais pra mim, que não é de minha autoria, mas que eu posso até considerar responsável por todos que o são. Então, como presente ao Blog e aos que acompanham, os mais importantes aqui, hoje vou postar "Medo da eternidade", da minha querida Clarice Lispector.
Mas antes vou contar o por que deste texto ser tão especial e carregar consigo tanta responsabilidade assim.

***

Aos catorze anos, então na oitava série do ensino fundamental, fiz um curso preparatório para vestibulinho, que é uma prova necessáriapara ingressar nas Escolas Técnicas do estado de São Paulo, também chamadas ETECs.
Embora na época eu já gostasse muito de ler, era uma literatura sem maiores considerações, pode-se dizer. Me interessava apenas pelo conteúdo do Livro e pouco procurava saber sobre o autor(a). Até que conheci o professor Oswaldo, vulgo Wado ou Barba, professor de literatura e grande fã da obra de Clarice Lispector. Foi ele quem me apresentou a obra desta autora, que é aquela que escreveu os textos que mais mexem com a minha sensibilidade, e o fez primordialmente por meio deste conto:



"Medo da Eternidade"

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.



Bom, espero que tenham gostado e aproveitado a experiência deste conto, como eu um dia fiz da melhor maneira possível.

Antes de findar o post, queria ainda agradecer o carinho de todos os leitores que visitam o Escape e dizer que tento sempre fazer deste blog o mais agradável que posso. Obrigado mesmo!
Queria também deixar um beijo especial à Marina Sena, do Palavras insólitas pelo presente: um selinho coincidente ao aniversário do Blog. (visível ao lado)

É isso. Muito obrigado a vocês todos!

4 comentários:

  1. Olá
    achei seu blog no 'palavras insólitas'
    e olha,
    nao é sempre que se acha blogs com boas obras na blogosfera.
    Li alguns posts, e sua originalidade me convenceu a seguir-te
    e desde já
    admirar seu cantinho.
    Grande beijo
    Já me convido a estar aqui sempre :)

    ResponderExcluir
  2. Parabéns, UHUL, parabéns, UHUL! Hoje é o dia do ESCAPE, que dia mais feliiiiz!
    hahaah
    bom
    como pode ver, estou feliz pela comemoração do primeiro ano do blog! Espero que ele tenha mais muitos anos e nada mais digno que Clarice para comemorar esse dia especial =)

    Parabéns e paciência para continuar postando =]
    beijos!

    ResponderExcluir
  3. Nem sei te explicar o que sinto lendo Clarice, é algo assim... que eu não tenho palavras. Adorei esse texto, nunca tinha lido.

    =]

    obrigada pela citação e parabéns pelo aniversário do blog. \o/


    bjo, bjo, bjo....

    ResponderExcluir
  4. Bom, não tinha nenhum lugar decente pra eu te mandar parabéns, já que deletei o orkut e no twitter teria que ser um parabéns bem curto.
    Deixar um comentário aqui foi a melhor ideia que me ocorreu nesse domingo de sol em Brasília e espero que você não se importe =]
    Então, Vi, obrigada por tudo, tudo mesmo...não preciso dizer o quanto eu gosto de ter você no mesmo curso que eu e, mesmo eu mudando de período agora, continuo gostando só de saber que você está fazendo a mesma coisa que eu, no mesmo lugar e etc..
    No seu dia eu quero dizer tudo que as pessoas falam normalmente, e também desejar uma dupla de palavras que eu li uma vez: "doçura e força"; Porque poucas são as pessoas que conseguem ser doces e fortes ao mesmo tempo, e você é uma delas. Ok, então eu não preciso desejar nada disso...
    Ia falar mais uma dupla dessas que eu vi, "bom humor e inteligência". Tá, você também já tem/é.
    Desisto: boa sorte e saúde aí, menino, e conta comigo!
    Adoro você, e o que porto uniu, nada separa :)
    Beijos

    ResponderExcluir