sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sem despedidas


Saber-te tão longe foi a minha maior dor. Não me despedi como queria e quando menos esperava recebi uma notícia que, por mais difícil que tenha sido aceitar, cedo ou tarde eu sabia que viria. Foi a minha maior dor, meu choro mais desesperado, a indignação mais insuperável... Quando eu te perdi deixei que muita coisa fosse junto e eu nunca vou esquecer daqueles dias.
Você não sai da minha cabeça e eu só queria poder ter você mais algumas horas. Só queria que você estivesse ao meu lado pra me ouvir dizer o quanto eu te amo ainda. O quanto memórias me vem e me trazem o melhor de você. Eu queria só mais um dia com você e então fazer ter sido válida toda a espera, toda a angústia e saudade.
Ainda me lembro das cartas que te escrevi e do quanto eu me sentia bem ao entregá-las. Lembro-me das conversas e das suas palavras, palavras que eu não vou esquecer.
Eu te olhei e vi fragilidade onde não existia. Em você vivia o amor. Um amor louco pela vida e por isso você lutou tanto por viver.
Me lembro da dor que senti quando abandonei o elevador e ao girar na direção da porta azul, onde estavam as letras “U.T.I.”, vi sua cabeça esforçando a inclinar-se para ler alguma carta recebida há pouco, provavelmente de Bruno. Ali não havia mais como segurar o choro que eu tentava prender desde a véspera.
Atravessei a porta azul e fui ao seu encontro logo menos ter lavado as mãos, como orientara a enfermeira. Quando coloquei-me aos pés do leito senti um frio horrível na barriga, como se em meados do verão se desse um inverno rigoroso em meu estômago. Meus olhos, muito contrários ao estômago, estavam em brasa e cheios de lágrimas, prestes a romper em um choro que havia sido guardado com muito esforço.

- Não chora, Vi.

Foi só o que me disse para destruir todo o meu empenho até ali. Eu nunca havia vivido situação de qualquer ordem semelhante. Era a minha primeira vez e já tinha sido o bastante. Naquele momento poderíamos ter ido embora e jamais voltado àquela situação.
Mal sabia eu que aquela era a primeira vez, mas que ainda viriam outras visitas. Mal sabia eu que não te ver diariamente, ainda que plantada sobre aquela cama, mesmo que pelo insuficiente tempo de 15 minutos, seria a única forma de obter algum alívio.
Fato é que os dias em casa não passavam e a ânsia por notícias era azorragante. Os próximos 52 dias foram amargos demais. Impaciente não via a hora de ir visitá-la, mas isso se tornava cada vez mais raro.
Nosso drama começou no dias 2 e 3 de Dezembro daquele ano. Nosso último ano estudando juntos. Nosso último ano naquela escola. Pouco antes, no primeiro dia de dezembro, fomos ao parque, brincamos, nos divertimos. Todos juntos, nem imaginávamos como aquele dia nos ficaria parecendo uma despedida, mais tarde.
Ainda antes do Natal foi quando eu conversei pela última vez com você. Quando te vi depois disso, estava induzida em coma e reagia a poucos estímulos. Ligada a diversos aparelhos, dreno e eletrodos, resistiu até o dia 24 de Janeiro, quando por fim, sem despedidas faleceu.
Era quase véspera do meu aniversário e foi muito difícil entender que você jamais o comemoraria comigo novamente. A pior dor.
Às vezes a saudade me assola de maneira sufocante. Eu ainda tenho as cartas que não pude te entregar (guardarei para sempre) e às vezes ainda sonho com você. A dor que mais dói, Cassia, é a saudade que eu tenho de você. Uma dor incurável.
Muita saudade!

Sedado


Uma vez eu te disse que queria ser sedado. Acho que não te conhecia direito, pois me surpreendi ao ouvir que também você queria. No dia falamos um pouco sobre isso, mas eu nunca pude ilustrar a minha vontade e acho que você nunca a entendeu.
Seria um alívio ao peito, um descanso à cabeça, um silêncio profundo e uma serenidade absoluta em mim. Seria um banho de água fria em minha impaciência. Nessa minha ansiedade em viver a vida que não posso saber.
Queria por fim ao meu ímpeto de testar e conhecer, observar e sentir. Tudo de uma só vez. Um saco. Uma impaciência sem limites que não me deixa em absoluto repouso tempo algum.
Sinto-me preso. Realmente preso a essa ansiedade desesperadora. Que me parece a cada dia mais devoradora.
Queria um remédio que me acalmasse e me pusesse e sono profundo. Que me libertasse de tudo o que não detenho e ainda me traz a violenta necessidade de cumprir com os tratos que não me fiz, mas que aceitei por gosto.

Das nove


Quando nossas bundas esquentam as poltronas que nos separam do chão e nos guardam o melhor lugar em frente à televisão, qualquer força empenhada para erguer-nos dali é incômoda. É natural que o conforto e calor do estofado nos mantenham fiéis o maior espaço de tempo possível e saudosos quando distantes. Inertes, somos incapazes, muitas vezes, de abalar nosso comodismo, mesmo sabendo quão bem isso poderia nos trazer. É assim que nos tornamos revolucionários domésticos.
Comodamente colocados ante o televisor, captamos atentamente aos informes arremessados em brasa em nossas direções. É estabelecida a ligação direta entre a informação e nossa (in) consciência. Nos revoltamos e maldizemos os vilões expostos. Indignados, prometemos a nós mesmos realizar vingança. Enfim, aceitamos que algo deve ser feito.
Estamos agora plenamente insatisfeitos com a realidade e absolutamente comprometidos a mudar em definitivo.
É lamentável, porém, que em poucos minutos nossa consciência já tenha se vinculado a outra causa nobre, talvez maior que a anterior, por que não? É muito difícil pensar na realidade que se vive quando há afeto maior à causa da mocinha da novela.
Mas a culpa não é nossa, afinal a telenovela vem logo após o telejornal e mais tarde já é a hora de ir para a cama.
Dormir é o melhor remédio para esquecer.

Sufoco


Era um pedaço de papel, mas eu não o via. Era mais do que branco, ou da cor que ele fosse. Era um pedaço de papel que me incomodava enormemente, me paralisava. Ele não foi prudente, me desafiava, me tocava, me intrigava, me enlouquecia e continuava a ser um pedaço de papel. Maldito pedaço de papel.
Era um pedaço de papel que me amarrava qual camisa de força. Não escapava, não podia me livrar custasse todo o meu esforço. Ele estava ali, me estrangulando indiferentemente. Não vibrava nem ressentia, me esmagava sem qualquer gesto. Aquele pedaço de papel me consumia livremente.
Não me doía mais. Não sabia o motivo pelo qual me rebelava diante a um pedaço de papel, mas estava descontrolado.
Não via saída, era matar ou morrer. Um pedaço de papel ganhava a batalha e isso me enfurecia. Fui cegamente guiado pelo desespero. Prendia a respiração, aflito, e não pude evitar: Enchi-o com minha caligrafia, feroz e imponente, sem temores. Só assim retomei minha liberdade.

sábado, 25 de julho de 2009

Alguém

São perfeitos os dias claros, azuis e límpidos, se você tem alguém que vai deitar sob o céu com você, a fitá-lo. São perfeitos os dias escuros, cinza e nebulosos, se você tem alguém que vai dividir um cobertor e assistir (ou não) um filme com você.Quando se tem alguém, é normal prestar atenção na previsão do tempo só para saber o programa ideal.
Quando se tem alguém, não faz diferença o dogão da esquina ou aquele restaurante que você tem até que cortar as unhas dos pés para entrar. Um pastel oleoso ou um sushi, pouco importa. Quando se tem alguém só importa é estar com esse alguém.
Você toma banho, escolhe a melhor roupa, e a melhor a cueca, o melhor calçado. Escova os dentes três vezes, passa fio dental, sorri na frente do espelho a cada três minutos até sair de casa, só pra checar. Passa perfume até no cabelo, confere o hálito, os bolsos, os dentes e finalmente sai. Olha duas ou três vezes para a lojinha de doces na frente do ponto, vai até lá, compra uns chicletes de menta e volta para o ponto. Quando se tem alguém, nada pode dar errado.
Isso faz de cada passeio uma nova missão. E é sempre a melhor sensação quando no lugar combinado, depois de esperá-la por alguns quarenta minutos, encontrar de novo aquele alguém. Não importa o resto do encontro: Por esse momento, toda a ansiedade até ali já valeu. Não poderia ser melhor.

Som ambiente

A música é uma linguagem universal, teoricamente respeitada e utilizada em todos os quatro cantos do mundo. A música pode perdurar por longos anos, atravessando ainda muitas gerações. A música é seguramente a expressão artística mais distribuída pelo planeta.
Hoje a música pode ser muito facilmente acessada em computadores, aparelhos de som, televisão, eventos, etc. Isso é um fato maravilhoso, afinal todos temos uma ‘trilha sonora’, não é? Uma música para cada momento, cada lugar ou ainda para cada lembrança.
Contudo essa acessibilidade e transportabilidade da música passam a ser um problema para muita gente quando combinadas com a falta de educação de algumas pessoas. Está lá, bem visível em cada coletivo regulamentado na cidade de São Paulo, o aviso: “É proibido o uso de aparelhos sonoros. Lei municipal nº 6681/65”, mesmo assim quem desfruta diariamente de um agradabilíssimo tour a bordo de um coletivo pela cidade de São Paulo já foi obrigado a compartilhar do gosto musical de alguém que, talvez por não saber ler, ligou seu belíssimo aparelho celular, ou mp3, mp4, mp5, (...), ou mpn no auto falante.
Pobres daqueles que, como eu, devido a invencível durabilidade de seus (não) fones-de-ouvido, se vêem forçados a se entregar ao gosto musical dos não educados.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Aprendizagem

Quando a gente recebe um choque colocando o dedo na tomada, aprende que não é todo buraco que podemos ir enfiando o dedo. Quando nos queimamos ao tocar o ferro de passar, se sozinhos com ele enquanto a mãe foi atender ao telefone ou coisa assim, aprendemos a nos manter distantes daquela parte metálica tão quente. Quando brincamos de correr e caímos feio por pisar no cadarço desamarrado, aprendemos a amarrar bem firme, com dois laços até. Acho que o aprendizado é um processo doloroso e por vezes até violento.
Sempre dizem que é errando que se aprende. Acho isso um pouco confuso. É estranho pensar que temos de nos ferrar antes de fazer algo como deve ser realmente feito e que só assim aprendemos. É estranho e é triste também.
Se temos de errar e nos ferir toda vez que precisamos aprender algo, é masoquismo da nossa parte, então, persistir no erro? Por que levamos tanto tempo para aprender certas coisas?

Tem coisas que deveríamos nascer sabendo.

Estranha necessidade

É estranha essa necessidade de se entregar. É estranho se procurar em outra pessoa. Essa ideia de que é melhor estar com alguém, se doar, fazer de tudo, suar a camisa para demonstrar a felicidade que aquela companhia te traz. É uma carência mesmo. Uma carência estranha. Um jeito estranho de se sentir bem.
Às vezes a pessoa passa a se entregar de espontânea vontade e nem percebe quando passa a ser mais do outro do dele próprio. E não há como dizer se é certo ou errado: Às vezes o cara se sente tão bem assim que é incapaz de considerar o risco que corre de se perder. Quando percebe, é tarde.
Não há luta. Se entregar é sempre uma boa sensação no começo, não há como recusar esse prazer. Não há como ignorar a vida que parece pulsar mais intensa no despertar de uma entrega. Contudo, perigosa, essa busca por se entregar pode acabar arrebentando aquele que vai muito além das linhas de segurança. Nem sempre você recebe algo em troca, quase sempre por não querer algo em troca. Dar muito mais do que receber é uma característica fiel dessa pessoa. É difícil saber onde pisa.
Descobrir que se ensartou em uma cilada, que se enterrou em um buraco cujo foi o responsável pela escavação, que laçou o próprio pescoço, enfim, é uma grande insatisfação. Então se passa a condenar o ideal criado de perfeição. Descobre que grande parte do colorido da história foi pintado à mão, e pela própria mão. Decepção, finalmente.
É necessário que haja equilíbrio. É preciso saber onde pisa e quanto ainda a corda pode aguentar.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Reconstruir

Não costumamos estar preparados para qualquer tipo de reforma ou demolição. Seguimos sem mudar a rotina por horas, dias, meses, enfim. Nunca contamos com imprevistos, situações que nos colocam pra fora de nossas próprias casas, inseguros, tentando pensar depressa e logo se reestabelecer.

Às vezes nos sentimos livres e seguros por mantermos tudo sob o nosso comando, debaixo de nossos narizes e ao alcance de nossas mãos. É assim que vemos perfeição. Preferimos uma segurança monótona a um desequilíbrio inconstante e "aventuroso" de situações.

Mas é impossível deter o controle de tudo o que nos poder, quer e deve atingir. Nossas casas pertencem sempre a lugar qualquer. Nenhum lugar é de nossas casas apenas. Nada que acontece a algum vizinho deixará certamente de nos acontecer, muito embora seja difícil de prever.

É assim que vemos nossas tranquilidades destruídas. Quando percebemos que o incerto nos atingiu, ou pode atingir, corremos confusos em qualquer direção, calculando e refletindo, buscando o antigo descanso a que podemos desfrutar quando temos as rédeas dos ocorrentes em mãos.

Sendo assim, cuidamos sempre em reconstruir nossas casas, por dentro ou por fora, mas de alguma maneira a conhecer cada cm³ dali.