sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um ano, Clarice e a Eternidade

Bom, neste mês de Julho o Escape completa seu primeiro ano de existência. Por este motivo vou hoje postar um texto especial demais pra mim, que não é de minha autoria, mas que eu posso até considerar responsável por todos que o são. Então, como presente ao Blog e aos que acompanham, os mais importantes aqui, hoje vou postar "Medo da eternidade", da minha querida Clarice Lispector.
Mas antes vou contar o por que deste texto ser tão especial e carregar consigo tanta responsabilidade assim.

***

Aos catorze anos, então na oitava série do ensino fundamental, fiz um curso preparatório para vestibulinho, que é uma prova necessáriapara ingressar nas Escolas Técnicas do estado de São Paulo, também chamadas ETECs.
Embora na época eu já gostasse muito de ler, era uma literatura sem maiores considerações, pode-se dizer. Me interessava apenas pelo conteúdo do Livro e pouco procurava saber sobre o autor(a). Até que conheci o professor Oswaldo, vulgo Wado ou Barba, professor de literatura e grande fã da obra de Clarice Lispector. Foi ele quem me apresentou a obra desta autora, que é aquela que escreveu os textos que mais mexem com a minha sensibilidade, e o fez primordialmente por meio deste conto:



"Medo da Eternidade"

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.



Bom, espero que tenham gostado e aproveitado a experiência deste conto, como eu um dia fiz da melhor maneira possível.

Antes de findar o post, queria ainda agradecer o carinho de todos os leitores que visitam o Escape e dizer que tento sempre fazer deste blog o mais agradável que posso. Obrigado mesmo!
Queria também deixar um beijo especial à Marina Sena, do Palavras insólitas pelo presente: um selinho coincidente ao aniversário do Blog. (visível ao lado)

É isso. Muito obrigado a vocês todos!

sábado, 26 de junho de 2010

A escova nova

[say goodnight and go]

Sempre gostei de ouvir atrás da porta enquanto você escovava os dentes, antes de se deitar. Gosto do som que faz. Era 'boa noite', pra mim. E agora que você insiste em dizer que tem de ir, não posso, não mesmo, pedir para que fique. Você nunca faz boas escolhas, mas você é quem sabe, ou deveria saber. Não posso pedir para que fique.
Quando a gente faz o que você quer, seu sorriso fica maior e eu amo o seu sorriso de menta. Mentira. Eu amo seu sorriso. É, porque eu amo quando você sorri de molho de macarrão, ou de maionese do Mc Donald's, sei lá o que é aquilo. Acho que eu amo mesmo é o seu sorriso. Então façamos o que você preferir, porque eu amo o seu sorriso.
Mas, se você puder, esqueça de juntar às suas coisas, naquela mala grande que compramos pra viajar no ano passado, a sua escova de dentes. Eu sei que ela é nova, porque compramos na venda do seu Levy semana passada, mas deixe-a ali, ao lado da minha, no potinho branco, que eu acho inútil, mas que você insistiu em comprar e eu não resisti, porque eu amo o seu sorriso. Deixe-a ali, porque se você sentir saudade dela - não vai sentir - mas se sentir, eu deixo você vir escovar os dentes com ela, antes de dormir. E eu vou ficar atrás da porta. 'Boa noite'

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Doze

Cheguei à parada de ônibus às sete e dez da manhã, em ponto. De imediato notei alguma diferença. O que era? Ah, sim. A morena que troca seus olhares pelos meus todas as manhãs, não estava ali, como era habitual. Estranho. O que poderia ter acontecido? Imaginei algumas coisas, mas logo deixei aquela preocupação de lado. Estava começando a me atrasar. Não. Eu estou no mesmo horário de sempre. O ônibus atrasou, com certeza.

Ao final de aproximados vinte minutos eu já estava impaciente, mas descarreguei a tensão num suspiro, ao ver o ônibus chegar.
Sem pensar nas inúmeras maldições que havia pensado ao motorista antes que ele estacionasse o ônibus junto ao meio fio, ali, bem onde eu estava parado, subi os degraus e, mesmo sem olhar direito, desejei o rotineiro ‘bom dia’ ao motorista. Já estava distante alguns passos quando estranhei a cabeça nua do homem. Uma cabeça nua completamente desconhecida. Queria pensar a respeito, mas o fluxo atrapalhou. Fui empurrado e espremido contra a catraca. Paguei. Me dirigi ao fundo do ônibus, onde restavam ainda alguns lugares vagos. Escolhi e sentei.

O lugar que eu ocupava não era o mais próximo à janela, mas pela janela mais próxima eu observava o mundo externo. Um mundo totalmente alheio ao interior daquele coletivo. De repente, como que o ônibus havia parado em função do congestionamento, também isso estranho, percebi um relógio, daqueles que ficam nos canteiros centrais das avenidas. Certamente ele estava ali há algum tempo, já. Certamente eu já o tinha visto outras vezes, só não como aquela. Olhei a hora marcada. Algo me perturbava. Deslizei levemente a manga esquerda do casaco, a fim de conferir o relógio. O meu. Neste os ponteiros indicavam o Sete, das horas, e trinta e quatro, o dos minutos. Voltei ao do canteiro e neste um acréscimo de doze minutos. Sete e quarenta e seis minutos, portanto.

Numa fração daquele seguinte segundo tentei entender aquela confusão. Ao término da fração entendia mais. Entendi a morena, o motorista, o engarrafamento e o relógio. Eram doze minutos que o meu relógio havia esquecido de contar, não sei por que e que agora davam sentido à estranheza daquele dia que não era meu. Que nunca o fora antes. Doze minutos.

Logo percebi que não era o atraso do relógio o que me incomodava. É que do meu dia, doze minutos haviam se passado sem eu saber nem por onde, nem para onde. E de repente todos os cálculos não estarão certos. O atraso me acompanhará por todas as horas do dia e em tudo do dia. Droga. Perdi o dia, porque perdi a hora. A hora? Não, os minutos, doze deles. E mesmo assim - doze, minutos. Será que meu relógio sabe o que são doze minutos?
Hoje vai ser um dia daqueles. Daqueles!

terça-feira, 15 de junho de 2010

Outro rock

O frio sobe pelas mãos. Outra madrugada. Outro rock.
Os acordes de guitarra espancam meu corpo, arrancam toda a poluição, toda a sujeira que meu corpo capta ao longo do dia, das pessoas, dos lugares.
O frio sobe. Me esvazia.
Outra madrugada, outro rock, e frio me traz um descanso, paz.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Sinestesia





Esse perfume
de alecrim
trouxe de volta
um sonho bom

Tiê



Da cozinha vem o cheiro de chocolate. Um bolo. Bolo de chocolate, como o da vovó. Não é pelo sabor, eu amo o sabor, mas é o cheiro, o cheiro que me atrai mais. É o cheiro qual o de anos atrás, nas férias, no café da tarde, na cozinha...


É o cheiro do bolo que me anima a fazê-lo, porque o bolo em si não consegue ser o mesmo, mas o cheiro o é. É como se eu fosse a mesma criança que sentava na cadeira e o chão os pés ainda não alcançavam, a mesma criança que esperava ansiosa o bolo esfriar, pra não dar dor de barriga. Eu sou a criança.


As tardes com a vó, as conversas. É quase possível ouvir a voz, que já não me conta mais as estórias. Não, não. Faz silêncio aqui, não há férias, não há estória, há apenas um bolo de chocolate, como aqueles, pelo menos é o que o meu olfato diz. Não, eu sei, não é como aqueles... jamais farei bolo como aqueles.


...



Um comentário:


Queria agradecer mais uma vez aos leitores do blog, aos elogios e críticas. Queria agradecer em especial a Nathi do Que seja doce. pelo selinho, que eu não sei usar e até me desculpar por isso.

É isso. Até a próxima.

Abraços e tudo de bom.


.

domingo, 2 de maio de 2010

Tiê-tagem: Show da Tiê no memorial


Na última quinta-feira, dia 29, a cantora Tiê fez uma participação no projeto que comemora os cem anos de Adoniran Barbosa com um show no Memorial da América Latina. Nesse show a cantora apresentou as músicas de seu primeiro e, como o guitarrista e produtor Plínio Profeta lembrou, único CD, além de alguns covers.

A apresentação teve duração aproximada de uma hora e contou com uma plateia de aproximadamente 750 pessoas, segundo o Twitter da cantora.

Muito intimista, foi possível ainda durante o show que o público e a Tiê ficassem próximos a ponto de que os comentários feitos pelo público fossem ouvidos e respondidos por ela, rendendo muitas risadas e dando um caráter ainda mais aconchegante ao show.

Também pela simplicidade dos arranjos e pela base constituída de apenas violões, guitarra e piano, em algumas músicas, a apresentação transcorreu suavemente. Destaque para as distorções da guitarra de plínio que deram efeitos muito especiais às musicas mesmo ao vivo.

O Clima do auditório Simón Bolívar em conjunto com a doce e aveludada voz de Tiê tornaram o show agradabilíssimo de forma que, ao seu término, ela e Plínio tiveram de voltar ao palco para satisfazer o ‘bis’ pedido pelos presentes.

Depois do show, quem esperou teve a chance, ainda, de pegar autógrafos e tirar fotos com a cantora, que se mostrou muito simpática ao atender todos os fãs.

(...)

Bom, eu não pretendia postar aqui mais nada que fosse de cunho pessoal. Mas o show da Tiê me emocionou de tal forma que eu decidi compartilhar com os leitores do escape. Essa mini resenha acima foi só pra deixar o post com um ar mais sério, mas eu não posso deixar de comentar pessoalmente o show.

Mas o que falar de Tiê que é, afinal, "apadrinhada" por ninguém menos que Toquinho e que já foi elogiada por ícones da música popular brasileira como Caetano Veloso?

É impossível não se encantar com a ternura do timbre da moça que tem nome de passarinho. Um canto extremamente melodioso passeando por letras de composição própria e de cunho confecional, mas sem ser dramático, que transmitem mais do que emoções somente, chegam a exalar perfumes.

Pode parecer exageiro, mas é bem por aí ouvindo a música "Sweet Jardim". Durante a música há passagens como "Abre o guarda chuva que hoje o sol desistiu de sair/ Esse perfume de alecrim/ Trouxe de volta um sonho bom." onde rapidamente nos remete ao vento e ao cheiro da chuva e o perfume do Alecrim.

O CD “Sweet Jardim” é um dos poucos CDs que ouvi em que todas as músicas são agradáveis. Na verdade, por todas as letras do CD serem mais ou menos faladas e por serem as músicas tão gostosas, tão suaves, e a voz da Tiê tão doce, parece que o CD todo dura uma música. E quando acaba, não parece que acabou, e eu poderia repetir o CD sem enjoar. Isso é bem raro acontecer.

Além de ser musicalmente maravilhosa, tanto como intérprete e compositora, é uma pessoa especialmente simpática e atenciosa com os fãs, o que me deixou, é claro, ainda mais fã dela. Um doce, de verdade.

Agora espero pela sua próxima apresentação em São Paulo, a qual desejo muito que não demore para acontecer.






Da esq. para direita: Cadu, Tiê, Biba e eu.


Além da voz mais doce, além de ser linda e simpática, também é muito cheirosa a Tiê.


Bom, fica aí uma boa dica musical. Ouçam e comentem aqui, tá bom?

Ah, como sugestão deixo o link de um vídeo da música que é a minha preferida:



http://www.youtube.com/watch?v=7FuQBkT7LN8&feature=related

sábado, 24 de abril de 2010

Culposo

- Alô?
- Pai, pai! Eu bati o seu carro!
- Porra, Bruno! Eu falei pra você tomar cuidado. Mas como ta?
- Ah, eu to bem, só uns arranhões...
- Ah... claro... é... mas e o carro?
- Já era, pai. PT.
- CARALHO, BRUNO. MEU CARRO NOVO!!!
- porra, pai. Eu sei. Eles vão me levar pra delegacia, você vai ter que me buscar lá.
- Seu moleque! A gente conversa depois. Onde você ta?
- Foi aqui na Cidade jardim. Onde você ta?
- Não te interessa, moleque. Vou ligar pra sua mãe, depois vou pra delegacia. Vê se não abre a boca até eu chegar – E desliga o telefone.

Na cama, Fernanda olha preocupada. Henrique anda de um lado para o outro procurando alguma coisa no celular. Encontrou. Levou o celular ao ouvido e esperou que atendessem.

- Alô?
- Regina?
- Oi. Henrique? Onde você está?
- Depois eu explico, Regina. O Bruno bateu o meu BMW, ele me ligou, está na delegacia.
- MEU DEUS! Aconteceu alguma coisa com o Bruno?
- Parece que nada grave, mas o carro já era.
- Ai, graças a Deus que não aconteceu nada!
- Como não? Meu carro novo, Regina! Esse moleque me paga... Bom, te ligo depois. Vou à delegacia agora. Beijos – E desliga outra vez.

Fernanda ainda o olhava preocupada. Agora ele se vestia, ainda sem dizer palavra. Ela, que não fazia questão, esperava que ele dissesse algo.
Quando terminou de se vestir, Henrique tirou algumas notas da carteira, contou e esticou para Fernanda, que apanhou rapidamente da mão dele e contou.

- Tem quinhentos aí. Pega mais cem para o táxi – esticou o braço com a nota.

Henrique se debruçou na cama e a beijou. Fernanda sentiu asco, mas fingiu gostar. Tinha de ser profissional. Henrique pagava bem e era cheiroso, além de ser um cliente assíduo. Era sempre bom ser simpática nesses casos.
Henrique saiu.

Alguns minutos mais tarde, na delegacia, Henrique descobriu que no acidente Bruno acabou vitimando fatalmente um casal que voltava com o filho de uma festa. A criança estava bem, mas órfã.
O fato de Bruno estar alcoolizado no momento do acidente seria um agravante penal. O fato de estar apostando racha seria outro. O fato de Dr. Henrique ser um conceituado advogado, no entanto, um atenuante.
Bruno responderia em liberdade por homicídio culposo, onde não há a intenção de matar. O casal condenado à pena de morte e o filho à prisão perpétua.
O novo BMW chegou quinze dias depois. De castigo, Bruno só dirigiria o Stilo.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Terça-feira

A reunião se estendia ainda mais cansativa pela falta do ar-condicionado, em manutenção, em conjunto ao dia quente que se fazia naquela quarta-feira. Os cubos de gelo não se destacavam por muito tempo dentro do copo com água, logo se tornava homogêneo o estado do que havia dentro do copo sobre a mesa.


A reunião era mais uma daquelas rotineiras, onde se repetia tudo o que havia sido proposto na quinzena anterior: os projetos, as metas, as funções. Nada que não pudesse ter sido adiado. A reunião não era tão urgente, urgente mesmo era fugir dali.


O cansaço de Roberto ia um tanto além do calor e das horas ocupadas pela reunião.

Fosse qualquer outro dia da semana, fosse a reunião conduzida dentro de um frigorífico, ou apenas nas condições perfeitas do ar-condicionado, ou que durasse a reunião apenas um quarto de hora, não seria diferente. O cansaço era o terno que vestia, o couro da cadeira que ocupava, a vista da cidade que se tinha naquele andar, os rostos feios dos outros ocupantes da sala, o copo e o corpo suados, e até o rosto moldado em exibição. Enfim, o cansaço entrara junto dele pela porta e havia se tornado tudo que fazia sentido dentro daquela sala.


Quando a reunião foi encerrada, Roberto foi um dos primeiros a se levantar, já com as coisas prontas ara sair o mais rápido que pudesse daquele prédio imponente de apartamentos comerciais, que por ele tinha o apelido de inferno. Despediu-se brevemente dos amigos de trabalho, só os mais chegados, e se lançou quase que correndo pelos corredores até o elevador, o único do andar.


Adentrou-o com uma feição estranhamente animada. Era o único ali com tal animação.

É que, na verdade, só ele mesmo é quem tinha um bom motivo para se animar, mas tinha que correr, pois estava atrasado para o compromisso.


Pegou o carro no estacionamento e o guiou velozmente, mas não ia muito longe. Cerca de três quadras adiante viraria à esquerda e seguiria reto por mais duas ou três quadras, quando encontraria o portão de estacionamento do parque. Ufa! Chegou a tempo! Antes ainda de sentir alívio completo, observou e notou que seu banco predileto ainda estava vazio. Sentou-se e pronto. Havia ali um encontro, um compromisso semanal, coincidente quinzenalmente com as reuniões no trabalho. Era o Pôr-do-Sol, que naquela tarde, satisfatoriamente, se deu em céu aberto. Era ali o único a notar isso, jurava então, seguramente, que era dentre todos no parque o que havia tido a melhor terça-feira e o melhor preparado para a quarta.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

FIGHTER

Ao terminar de ler a carta, não pode conter a ânsia. Correu o mais rápido até o banheiro, onde se debruçou sobre o vaso sanitário e despejou toda a bile amarga. As contrações abdominais eram violentas e logo o esforço rompeu alguns vasos sanguíneos, que coloriram de vermelho aquela amarelo hepático que desenhava o seu desespero.
A carta não estava sendo esperada e não trazia boas notícias. As más notícias contidas eram alguma espécie de chá pra provocar o vômito.
Arfava golfadas importantes de ar, mas quando voltava à carta, era tomada de soluços desesperadores e sofridos. O som que emitia era semelhante ao de um cachorro atropelado que não teve a sorte de morrer. Sim, a carta fizera isso. Agora ela sabia o que era, era um simples cachorro que, machucado no atropelamento, não morreu. Agora gritava, implorava um golpe na cabeça, um golpe capaz de silenciá-la.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Novidades

Ai, que mês de janeiro difícil!

Bom, muitas coisas foram ruins por aqui e eu logo comecei a pensar no ano de 2009. É, 2009 teve um começo meio chatinho, só que isso depois de janeiro, lá pra fevereiro ou março. Verdade que depois melhorou muito, mas, de qualquer forma, 2009 acabou todo errado e eu tive a certeza de que era o pior ano de que me recordava.

Quando vi janeiro já começando bem mal, fiquei desesperado. “Imagina como seria, então, um ano em que as coisas ruins chegaram ainda mais cedo que em 2009?”, eu pensei. Pois é, não dá pra relatar o quão ruim foi esse mês de janeiro.


Tudo bem, janeiro passou.

No penúltimo dia do mês, dia 30, portanto, completei os tão esperados dezoito anos. Cara, não muda muita coisa, eu já percebi. Mas quem se importa? Na segunda-feira, dia 1º, eu estava lá na auto-escola fazendo minha matrícula. A atendente lá até se espantou, mas eu não poderia esperar nem mais um dia, de verdade. Eu ganhei a Habilitação dos meus tios, queria até agradecer aqui.


Outra coisa legal é que fui aprovado na Fuvest lá. Então, serei, provavelmente, aluno de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Estou feliz com isso, de verdade. Estou feliz também pelos meus amigos que conseguiram ser aprovados também. Contudo a tristeza por aqueles que não conseguiram ainda (esperando outras chamadas) me faz não conseguir ficar tão feliz, sabe?


É, eu queria que comemorássemos todos juntos.

Bem, estou torcendo por eles quanto as próximas listas. Espero que dê tudo certo!


Bom, ainda tenho que ressaltar que estive um tanto afastado da Internet nos últimos dias, pois meu computador estava quebrado. Estou louco pra terminar textos que deixei pela metade aqui (acabando com esse clima de diário) e louco pra ler alguns blogs por aí. Ai como é bom ter a Internet de volta

\o/

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Repeat

Parou um instante frente à penteadeira e mirou sua imagem no espelho. Nada incomum, como esperava. Cabelos embaraçados, olheiras, algumas marcas do sono no rosto, nada mais.

Girou o corpo e seguiu para a porta, onde, ao sair, deparou com algumas roupas jogadas. Hesitou ainda, mas logo se decidiu por deixá-las onde estavam. Atravessou o corredor que levava à sala de estar e contornou mais tarde à cozinha. Escolheu um copo na prateleira e entornou para dentro dele o café que estava no vasilhame da cafeteira, apanhou alguns biscoitos no pote sobre o armário e sentou-se à mesa. Alternava goles e mordidas sem querer, sem perceber a lentidão com que a cena transcorria. Devorou os biscoitos mais rápido que bebeu o café, gostava mais do café. Pensou em pegar mais alguns biscoitos, mas o biscoito atrapalhava o gosto do café. Por isso deixara o café acabar depois. Pensando nisso encheu até a metade do copo com mais café do vasilhame. Como não escolhera comer mais biscoitos, o café desapareceu mais rápido dessa vez no interior do copo.

Lavou rapidamente a louça que havia sobre a pia da cozinha e atravessou o apartamento até o chuveiro. Despiu-se rapidamente e esperou impaciente a água do chuveiro esquentar. Olhava para cima, de onde vinha a água, e mantinha o braço estendido sob o jato pra se fazer termômetro. Quando julgou ideal a temperatura da água, enfiou-se sob o chuveiro e deixou escapar um prazeroso gemido de alívio.

A água a convidava para se demorar ali o quanto quisesse, e assim foi que se assustou quando abriu os olhos e se deu conta do tempo que corria sem que ela percebesse. Providenciou que todos os demais processos higiênicos necessários a partir de então fossem realizados com maior rapidez e logo menos se pôs para fora do banho.

Enxugou-se e vestiu-se, já em seu quarto, tão rapidamente como antes nada havia sido feito até ali e poucos minutos depois olhava os frascos de perfume sobre a penteadeira. Escolheu o frasco mais vazio, o da ponta, que era também o que ela havia usado no dia anterior. Que era - isso vinha agora à tona - o mesmo que ela costumava usar no anterior. Era o perfume que tinha o cheiro dela, já nem podia mais dizer que era ela quem tinha o cheiro do perfume.

Guardou o frasco no mesmo lugar, apanhou a bolsa e saiu. Sentiu um frio na barriga enquanto esperava o elevador. Então era o mesmo frio na barriga que sentira ontem antes de embarcar no também mesmo elevador.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Primeiro post de 2010 - Fuvest

O primeiro post de 2010, vejam só, no dia 11 de janeiro. Quase que venho aqui para desejar um feliz ano novo, de novo.

Bom, a primeira semana inteira de 2010 foi semana de FUVEST e, graças a Deus, já passou. Foram três dias de tensão, de desespero e de culpa. Um sentimento de culpa absurdo, porque a gente sempre acha que poderia ter estudado mais...

Como eu disse, passou, então eu não preciso mais falar dela até o dia 4/fev, que é quando veremos se fui aprovado.

Meu final de ano foi o pior que eu já tive e eu nunca comemorei tanto (por dentro) a chegada de um novo ano. Espero que esse seja BEM melhor que o outro, porque para ser simplesmente melhor não precisa muito.

Bom, como queimei muitos neurônios essa semana, não consegui postar nada descente de verdade, então o poema a seguir tem a mera função de ser uma postagem falida, mas espero que alguém goste.



Provo mais de mim

Tentando não ser

Assim

Um fragmento

Residente na parte

Que não me cabe

Concentrar e reagir

Tocar e sentir

De toda a verdade que

Escondi

Pelas pálpebras fechadas

Fronteira do que é meu
E que não sei



Eu daria a este poema o título de “Fuvest”

¬¬

Feliz ano novo

Tudo de bom

\o/

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Feriado

A brasa consumia o cigarro entrelaçado aos dedos destros enquanto ele exibia um riso antipático para a cidade, debruçado sobre o parapeito da janela da sala. Olhou as janelas que o circundavam, ninguém o espiava. Despejou as cinzas no jardim, sem culpa, e levou o cigarro à boca. Tragou.
A cidade estava estranhamente desinteressante. Observava e quase não podia constatar animação nas ruas. O céu que aparecia por entre os prédios, aquele e os vizinhos, era cinzento. Parecia um reflexo sem graça do asfalto.
Cuspiu a fumaça.
Procurou alguma coisa nova naquilo tudo, porque a vista já havia cansado. Nada.
Entendeu, por fim, que a tarde lá fora não era diferente daquela que transcorrera, até então, ali dentro. O silêncio e a languidez eram nele, o tempo todo.
Sentiu o cheiro da fumaça do cigarro. Lembrou-o e tragou.
Depois apagou o cigarro e o atirou no jardim. Cuspiu mais uma vez a fumaça. Olhou em volta com a mesma pressa daquele que se despede de um afeto, mas não havia afeto, então fechou a cortina e largou-se ao sofá.

***

Ultimo post de 2009 \o/
Que animação pra fechar o ano. Uhul
Dois mil e nove vai tarde, R.I.P, e dois mil e dez vai começar bem.
Três dias de prova na primeira semana. Bacana.
Mas a prova passará.


Que 2009 termine bem para vocês e comece melhor ainda o ano de 2010.
Muito obrigado a quem pasou por aqui e sintam-se convidados a voltar.
Tudo de bom, galera.

Torçam por mim na Fuvest
e assistam ao filme 'Minha vida sem mim'

Beijos

Feliz 2010 para nós todos!
\o/

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

"Minha vida sem mim"

Um post que vale a pena.

Neste post falarei do meu dia de Natal, sendo desimportante exceto por ter sido o dia que eu me reencontrei com meu filme favorito, o "Minha vida sem mim" (My life without me -Canadá/Espanha, 2003), que estava perdido na casa da minha avó.

Este filme não é aquele que mais combina com o dia de Natal, mas não importa, é sempre uma experiência agradável para mim assisti-lo novamente. É, eu já o assisti mais de seis, sete vezes (chutando baixo) e em cada vez consigo perceber uma sutileza nova que faz o filme ainda mais especial.

O que mais gosto nele é a forma com que são desenvolvidos diversos conflitos em torno de um principal. O filme, em resumo, faz a gente refletir a respeito da rotina e de como nela certas coisas passam desapercebidas.
Se eu falar mais sobre o filme ou colocar uma sinopse aqui, ele vai ficar com cara de clichê. O tema até dá a entender isso, mas o filme vai muito além.

Aqui vai o texto inicial do filme. Só pra se ter idéia:

"Esta é você. Olhos fechados, na chuva. Você nunca pensou que estaria fazendo algo parecido com isso, nunca se viu como - eu não sei como descreveria... - como uma daquelas pessoas que gostam de olhar para a lua, que passam horas contemplando as ondas ou o pôr-do-Sol, ou... Acho que você sabe o tipo de pessoa que eu estou falando. Talvez você não. Enfim, você meio que gosta de estar assim, lutando contra o frio, sentindo a água penetrar através de sua camisa até a sua pele e a sensação do chão ficando fofo embaixo dos seus pés. E o cheiro... e o barulho da chuva batendo nas folhas. Todas as coisas que estão nos livros que você não leu. Esta é você, quem teria imaginado? Você."

Fica então a dica, coisa que eu nunca fiz antes no escape.


=D

ficha técnica:

  • título original: Mi Vida Sin Mi
  • gênero: Drama
  • duração: 01 hs 46 min
  • ano de lançamento: 2003
  • estúdio: El Deseo S.A. / My Life Productions Inc. Milestone Productions Inc. / SLU
  • destribuidora: Sony Pictures Classics / Warner Brothers / Imagem Filmes
  • direção: Isabel Coixet
  • roteiro: Isabel Coixet, baseado em livro de Nancy Kincaid
  • produção: Esther García e Gordon McLennan
  • música: Alfonso Vilallonga
  • fotografia: Jean-Claude Larrieu
  • direção de arte: Shelley Bottom
  • figurino: Katia Stano
  • edição: Lisa Robison

Assistam



PS.: Se for assistir, preste atenção nos detalhes mínimos como as taças de cristal, a lanchonete e o cheesecake, a faxina e todos os diálogos e reflexões. Vale muito a pena esse filme!


Outro PS: No post abaixo eu citei a música "Amor pra recomeçar" do frejat. Depois uma amiga minha, uma tal de Marina (... morena você se pintou? xD), me disse que a música havia sido inspirada no poema "Desejo", de Victor Hugo. Pois é, eu não sabia disso. Gostei muito do poema também e se vcê não o conhece, procure-o. A música é bem fiel ao poema, mas como a Mah e eu concluímos, "o poema tem mais coisinhas, por isso é mais legal".
É isso. Valeu, Mah, por ler o blog e pelo Victor Hugo.



quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Então, é Natal...

Podem pular a parte verde escura.

O Natal acontece todo ano, há mais de dois mil anos. Não tem como ser original, não é?

Bom, eu não quero falar do Natal, porque este Natal vai ser muito diferente do Natal passado. Como o Natal passado foi melhor que o retrasado, neste sentirei falta de algo, mas é Natal e não tem como fingir que não.

Paciência.


É, amanhã é Natal e eu estou indiferente a isso tudo. Eu passei pela Avenida Paulista todos os dias dessa semana, assisti aos corais de Natal, tudo para entrar no clima e não deu certo. Agora não tem jeito, acabou, o Natal está aí.

Geralmente as decorações e o espírito de Natal me conquistam e ganham a minha simpatia, e mesmo com muito esforço, dessa fez eu não me emocionei com os cânticos, nem com as luzes, nem com as alegrias das pessoas, nem em pensar naqueles que não têm ceia ou presentes, nada, enfim, me comoveu.


É, amanhã é Natal. Depois contaremos menos de uma semana até o fim do ano de 2009 que, para mim, está fazendo hora extra. E quanto mais ele demora a ir, mais tempo eu tenho de remoer todas as histórias que eu vivi no ano. É disso que eu não gosto.

As coisas boas deixaram uma saudade difícil de descrever. É uma saudade que traz junto um pesar e uma sensação de cansaço, horríveis. Já as lembranças ruins, essas eu gosto, porque nelas obtenho o meu perdão.


Bom, amanhã é Natal.

Quero, então, finalizar o post mais estúpido que já teve espaço neste blog (e olha que é só mais um) desejando a todos os leitores, amigos, visitantes e etc. um Feliz Natal, seja lá como for. Que nesta data possam refletir sobre coisas importantes de suas vidas, sejam de cunho particular, social, político... Como quiserem, reflitam! Reflitam sobre o amor!

Não deixem esta data passar em branco. Digo isto porque simboliza o Nascimento de Jesus, o maluco que, vendo uma multidão a hostilizá-lo, orou para que Deus os perdoasse.

Se você por algum motivo não acredita na história que acabei de mencionar, não quero mudar a seus conceitos religiosos, só quero mesmo é tentar fazer com que reflita sobre esse negócio de amar o próximo.

Não reflita somente no Natal, ele acontece apenas uma vez a cada ano, como disse no começo do texto, mas aproveitem o Natal principalmente para refletir. É pertinente e ajuda pra caramba.

Finalmente, quero deixar uma música (trecho), que ouvi de um dos corais da Paulista.

Eu te desejo
Não parar tão cedo
Pois toda idade tem
Prazer e medo...

E com os que erram
Feio e bastante
Que você consiga
Ser tolerante...

Quando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desespero...

Desejo!
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Prá recomeçar
Prá recomeçar...

[...]

Eu desejo!
Que você ganhe dinheiro
Pois é preciso
Viver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmo
O dono de quem...

(Amor pra recomeçar – Frejat)


PS: A parte mais clara tem mais coerência e mais relevância.

Sucesso e

** FELIZ NATAL**

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Segurança

Fechadas as portas, janelas e coração
É mais terno, mais quente
É mais seguro e controlável
É um abrigo à Luz e à canção
Surda e interna. Própria

Velo tudo à volta
Antes que esse tudo se vá
Fecho tudo e tranco aqui
Guardo cá
A tempestade e a paz
Minhas só

Ninguém mais

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Luzes

Eu fiquei entre duas luzes. Uma luz era a tal Luz branca, a outra, a Luz no fim do túnel. Foi patético.

Eu acordei e não sabia onde estava, nem para onde estava sendo levado, nem nada. Eu estava realmente perdido. Demorei ainda um pouco perceber o que tinha acontecido, mas demorei muito mais para entender o que tinha acontecido.

Percebi que tinha ido parar em hospital qualquer e que apenas me acompanhava um amigo. Percebi também umas dores pelo corpo, uma tonteira e foi tudo o que eu pude perceber.

Meu cérebro processava coisas que eu não tenho condição de lembrar, como a maioria das coisas ocorridas até aquele momento. Só sentia vontade de correr e sair daquele lugar, ir para qualquer lugar que fosse distante do meu conhecimento, mas meu corpo estava inerte.

Não havia músculo ou esqueleto que obedecesse aos comandos do meu cérebro. Isso me irritava muito.

Como não podia controlar o meu corpo, decidi fazer esforços maiores com o cérebro e procurei me situar no espaço e no tempo. Vasculhei por toda a memória e pouco conseguia ligar entre as coisas que haviam acontecido e aquilo, que é como eu prefiro chamar a situação.

Mais tarde descobri que aquilo fora o mais perto do nada que eu um dia pude experimentar. Foi o mais próximo que cheguei do que é nada. Inconsciência.

Por mais que eu tente me lembrar, é impossível saber como cheguei ali, como tudo aconteceu. Consigo apenas enxergar luzes.

Como é bom não lembrar, como é bom não sentir...
E estive inconsciente e descobri que isto é um estado que te faz não lembrar, não sentir, não querer, não precisar... É estar quase morto, o coma. É a melhor coisa da qual consigo me lembrar, exatamente porque é a parte da vida que, por mais que eu queria, não consigo acessar. Só existe a Luz.

domingo, 22 de novembro de 2009

O Sótão

Sua alma ardia e por isso a inquietação. Não havia lugar ou coisa qualquer que confortasse seu corpo, menos ainda a alma. Deitou, levantou; abriu a janela, fechou. Andava de um lado para o outro, desenhando com seus passos o chão.
Não encontrava canto na casa que não o expulsasse. Os rostos nos quadros o encaravam e mil vozes se confundiam nos seus ouvidos, na sua cabeça. O desespero tomava conta de todos os seus músculos, agora incontrolavelmente trêmulos.
Despiu-se ainda sem saber muito bem como chegar ao chuveiro. Quando o encontrou, fez despejar sobre si a água mais gelada para o banho. Sentiu a água lutar contra a brasa que ardia em seu peito. Urrou de dor e sentiu escorrer em seu rosto lágrimas quentes, misturadas agora ao jato de água fria que descia em seu corpo. Desciam juntas, agora.
Demorou-se ali, mas sentia ainda o ardor, a dor. Desistiu e, ainda nu, saiu pela casa, molhando o carpete e o piso taqueado. Andou em círculos e em uma dessas voltas escorregou na água que formava uma poça sobre o piso. Bateu a cabeça e, quando pôs-se de pé, sentiu tonteira e quase caiu novamente. Passada a vertigem, sentiu quente escorrer-lhe pela fronte o sangue que se precipitava pelo corte. Praguejou contra a própria burrice e continuou pela casa. Procurava algo. Vasculhava cada gaveta e cada canto nos armários. Estava ali em algum lugar.
De repente, um estalo:

- Claro. O sótão!

Caminhou com passos firmes, decididos. Inclinou a pequena escada em direção ao sótão e ali vasculhou ainda procurando. O calor do seu corpo já havia evaporado quase toda a água em sua superfície. Arranhou-se esbarrando algumas velharias no sótão até que por fim encontrou, no interior de uma caixa de madeira trabalhada, gravada com o nome de seu avô, homem forte, honrado, Oswaldo, a arma dos tempos de militar. Na mesma caixa ainda havia munições, escolheu três. Desceu pela escada, mais trêmulo; chorava. Adentrou a sala de estar, os retratos pareciam assistir a cena. Carregou o revólver lentamente. Suas mãos vacilantes seguravam o revólver e, antes de apontá-lo para a própria boca, respirou fundo e olhou ao redor. O ferro estava frio, morto. Hesitou ainda alguns segundos e sentiu com a língua o gosto da pólvora antes que pudesse sentir e a tensão de cada nervo sob a pele. Não tremia mais, nem nada. A sensação fria em sua boca agora tomava o corpo e tudo parecia ter congelado, tamanha a frieza. Só os o olhos ainda mexiam sob sua vontade.
As luzes se confundiam e tudo girava tão rápido que se fazia impossível entender qualquer imagem que tentava se formar em sua retina.
A última verdade despertava o maior medo. O medo fazia o suor escorrer frio. Tudo muito frio. A respiração ofegante de repente transpassada por um bafo insuportavelmente quente, simultâneo àquele ensurdecedor estampido e um clarão.
O revólver tombou para o lado ainda carregado de duas munições. Estava ainda quente, mas esfriariam, tanto o revólver como a carne posta ao lado.




segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Continuar

Se seus óculos fossem escuros, guardariam sua dor em um lugar seguro, onde você quisesse. Você é míope e está chovendo. A chuva é uma mentira em você, mas é seu único disfarce. Continue.
Eu não rio de tudo, mas tento não chorar. A saudade é boa, é muito boa. Mentindo ao dizer que as coisas não vão mudar, não precisa, é visível, mais agora, já mudaram. Tente enxergar o lado mais concreto do todo, os fragmentos desconexos serão espalhados pelo tempo e nada os trará novamente ao seguro.
Uma estrada cheia de curvas e as curvas escondem o que ficou para trás. Siga, se permita olhar no retrovisor, e então despeça-se.

O copo está meio cheio ou meio vazio? Ainda perto ou distante agora?

Não é difícil...


Desconcerto

A cada ônibus, um impulso fantasiado, um retraimento, uma confusão. Doeria? A quem doeria?

De noite, chuva no telhado, canções lentas, insônia e ânsia. Dói. Sim, dói.

Faz-se silêncio em toda parte, todos os outros cômodos da casa, mas o ruído é ensurdecedor e vem de dentro, do meu particular, onde parecia mais seguro, mais controlável. Não era, não era. Agora eu vejo que tudo que vem de dentro é muito mais incontrolável. A própria ânsia, a dor e a insegurança, o arrepio, o ruído... Um desconcerto interno (total).

No fim, é só mais uma daquelas noites que já está por terminar. Bem ou mal, tanto faz. Só tem de terminar. Quando terminar, terminará só, por enquanto. Uma pausa para respirar.

Vou descobrir agora, finalmente, para sempre, se dói.