domingo, 22 de novembro de 2009

O Sótão

Sua alma ardia e por isso a inquietação. Não havia lugar ou coisa qualquer que confortasse seu corpo, menos ainda a alma. Deitou, levantou; abriu a janela, fechou. Andava de um lado para o outro, desenhando com seus passos o chão.
Não encontrava canto na casa que não o expulsasse. Os rostos nos quadros o encaravam e mil vozes se confundiam nos seus ouvidos, na sua cabeça. O desespero tomava conta de todos os seus músculos, agora incontrolavelmente trêmulos.
Despiu-se ainda sem saber muito bem como chegar ao chuveiro. Quando o encontrou, fez despejar sobre si a água mais gelada para o banho. Sentiu a água lutar contra a brasa que ardia em seu peito. Urrou de dor e sentiu escorrer em seu rosto lágrimas quentes, misturadas agora ao jato de água fria que descia em seu corpo. Desciam juntas, agora.
Demorou-se ali, mas sentia ainda o ardor, a dor. Desistiu e, ainda nu, saiu pela casa, molhando o carpete e o piso taqueado. Andou em círculos e em uma dessas voltas escorregou na água que formava uma poça sobre o piso. Bateu a cabeça e, quando pôs-se de pé, sentiu tonteira e quase caiu novamente. Passada a vertigem, sentiu quente escorrer-lhe pela fronte o sangue que se precipitava pelo corte. Praguejou contra a própria burrice e continuou pela casa. Procurava algo. Vasculhava cada gaveta e cada canto nos armários. Estava ali em algum lugar.
De repente, um estalo:

- Claro. O sótão!

Caminhou com passos firmes, decididos. Inclinou a pequena escada em direção ao sótão e ali vasculhou ainda procurando. O calor do seu corpo já havia evaporado quase toda a água em sua superfície. Arranhou-se esbarrando algumas velharias no sótão até que por fim encontrou, no interior de uma caixa de madeira trabalhada, gravada com o nome de seu avô, homem forte, honrado, Oswaldo, a arma dos tempos de militar. Na mesma caixa ainda havia munições, escolheu três. Desceu pela escada, mais trêmulo; chorava. Adentrou a sala de estar, os retratos pareciam assistir a cena. Carregou o revólver lentamente. Suas mãos vacilantes seguravam o revólver e, antes de apontá-lo para a própria boca, respirou fundo e olhou ao redor. O ferro estava frio, morto. Hesitou ainda alguns segundos e sentiu com a língua o gosto da pólvora antes que pudesse sentir e a tensão de cada nervo sob a pele. Não tremia mais, nem nada. A sensação fria em sua boca agora tomava o corpo e tudo parecia ter congelado, tamanha a frieza. Só os o olhos ainda mexiam sob sua vontade.
As luzes se confundiam e tudo girava tão rápido que se fazia impossível entender qualquer imagem que tentava se formar em sua retina.
A última verdade despertava o maior medo. O medo fazia o suor escorrer frio. Tudo muito frio. A respiração ofegante de repente transpassada por um bafo insuportavelmente quente, simultâneo àquele ensurdecedor estampido e um clarão.
O revólver tombou para o lado ainda carregado de duas munições. Estava ainda quente, mas esfriariam, tanto o revólver como a carne posta ao lado.




7 comentários:

  1. Genteee q final.
    Prefiro um final feliz.
    A bala enganchou, e ele se tocou da burrada.
    Hehe

    Ps: Tem promoção lá no blog.
    Dá uma passada lá. =D

    Beijo.!

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  2. Eu tambem prefiro os finais felizes, rs.
    Mas adorei ; )

    Ps: Tem promoção lá no blog.
    Dá uma passada lá. =D [2]

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  3. Sabia que você não iria resistir a uma bela bala no cérebro!

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  4. Que riqueza de detalhes. Gostei muito da construção do texto. Parabéns!
    beijos

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  5. nossa.
    quase deu pra sentir a angústia.

    muito bom.

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